quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

VENDA DE DROGAS LEGAIS PREOCUPA AUTORIDADES

Substâncias psicotrópicas ganham adeptos sobretudo entre os mais jovens

 

 

Desde que as drogas legais chegaram à Madeira de forma mais assumida, há cerca de dois anos, quando abriu a primeira 'smart shop' no Funchal, que as substâncias psicotrópicas não pararam de ganhar adeptos. Hoje são um fenómeno de popularidade sobretudo junto da comunidade jovem. A venda livre desta gama de drogas que não estão inscritas na longa lista de substâncias estupefacientes proibidas em Portugal, já colocou a Polícia Judiciária e a Inspecção das Actividades Económicas no terreno e está a deixar bastante preocupado Nelson Carvalho, director do Serviço de Prevenção da Toxicodependência.
André Paquete, estudante de bioquímica (curso incompleto), aproveitou a experiência de dois anos a trabalhar numa 'smart shop' em Oxford, na Inglaterra, para trazer o conceito da venda livre de substâncias químicas e naturais com efeitos alucinogénicos para a Madeira. Estudou a legislação, aconselhou-se junto da Polícia e concluiu que o negócio tinha tudo para resultar.
Abriu a sua própria loja no Funchal, em Dezembro de 2008. A 'Pakside, street wear' congrega, além do pronto-a-vestir, um estúdio de tatuagens 'Ink Side', uma 'sex shop' (que actualmente já não existe ali) e uma zona 'smoking' – um expositor onde se vendem mortalhas, cachimbos, incensos, 'grinders' (moedores), mas também fertilizantes para plantas – um pó que, não obstante a advertência no rótulo, acabam por ser consumido uma vez reconhecidas as suas características alegadamente psicoactivas – e as chamadas drogas legais: 'Salvia Divinorum' (extracto herbal seco) e 'Snow Blow', um rapé energizante sem nicotina.
Os produtos, tal como os efeitos são vários: de calmantes a energizantes, de afrodisíacos a estimulantes. A gama das 'legal highs' têm efeitos semelhantes ao LSD, à marijuana e ao ecstasy mas – magia! - são vendidos e consumidos livremente sem qualquer sanção legal. "São cada vez mais os clientes que nos procuram", confessa o gerente. Quantos por semana? "Isso são dados confidenciais", responde André Paquete. Garante que só vende "exclusivamente  a maiores de 18 anos", sendo essa uma "regra de ética". Os problemas que possam daí advir, como o consumo por menores ou a mistura explosiva de substâncias alucinogénicas com bebidas alcoólicas, tudo isso é já entra na esfera da responsabilidade dos clientes.
As saquetas com os produtos psicotrópicos são importados do continente, a partir de fornecedores fidedignos, assevera o gerente da 'smart shop' do Funchal, um confesso apologista da liberalização das chamadas drogas leves como a marijuana. "É bom que o país pense bem duas vezes sobre a legalização destas substâncias: é que as novas que vão surgindo podem ser mais perigosas, porque derivam de alterações químicas em laboratório", afiança.

SPT alerta: perigo para a saúde


Nelson Carvalho, director do Serviço de Prevenção da Toxicodependência (SPT), analisa o problema sob um outro prisma. "Estas substâncias químicas designadas por 'spice drugs' só são legais por uma questão administrativa, porque os efeitos são semelhantes às drogas ilícitas".
Na verdade, a venda destas drogas só não é proibida porque cai em vazio legal, pois não figuram na longa lista de estupefacientes e substâncias psicotrópicas proibidas, ao abrigo do regime jurídico aplicável ao tráfico e consumo (Decreto-Lei n.º 15/93).
Ao SPT não chegaram ainda "denúncias oficiais" destes casos, "mas é provável que haja situações de dependência", crê Nelson Carvalho. O responsável pelo serviço de prevenção das toxicodependências insurge-se contra as "mensagens facciosas" vendidas por estas lojas.  "O que eu digo às pessoas é: evitem ao máximo tudo o que houver ligado a esse tipo de drogas porque é uma forma encapotada de vender esse tal produto que pode ser bom para se divertir, para ter um encontro, para se sentir mais relaxado, para ter mais coragem. Tudo isso é falso. As pessoas têm capacidades e competências próprias para resolver os seus problemas no dia-a-dia".
Dos comportamentos de risco podem resultar consequências imprevisíveis ao nível da alteração da consciência ou evoluir para situações mais graves: coma ou morte, considera Nelson Carvalho. "Pelos efeitos nefastos deve-se evitar de todo o seu consumo. É perigoso ainda mais porque são substâncias que não foram sujeitas a controlo farmacológico e são desconhecidos os seus princípios activos", adverte.

Informação para “exorcizar” medos

André Paquete está noutra onda. Resume os medos sociais ao preconceito, ao desconhecimento e à falta de informação. "Não há overdoses, é uma experiência de diversão, com características psicadélicas, ou no caso, da 'Salvia', é uma experiência espiritual intensa", descreve assim  a 'trip' de reacções alucinogénicas ou psicotrópicas. Para exorcizar os receios em torno das drogas legais, sugere "acções de sensibilização junto de autoridades, professores e técnicos de saúde".
O DIÁRIO falou ainda com Carlos Marabuto, gerente daquela que se apresenta como a primeira 'smart shop' em Portugal. Desde que o 'Cogumelo Mágico' se instalou em Aveiro, em 2007, (entretanto abriram outras lojas no Bairro alto e em Cascais), o catálogo já oferece cerca de 400 produtos com substâncias psicotrópicas. Na Madeira tem "15 a 20 clientes fiéis". Os produtos são encomendados via CTT com portes de envio pagos no acto da entrega. "Funciona como a Telepizza", diz.

Vistorias: Judiciária e Inspecção: buscas e apreensões

Tal como aconteceu no Continente, a chegada das drogas legais à Madeira lançou alguma confusão entre as autoridades e dúvidas quanto à legalidade de substâncias cuja natureza é desconhecida.
Há cerca de dois anos, a Polícia Judiciária fez uma busca na 'smart shop' do Funchal e apreendeu cautelarmente vários produtos, vendidos em saquetas de uma grama e meia grama, que se presumiam ser ilegais. As amostras foram analisadas no Laboratório de Polícia Científica, em Lisboa, e os resultados revelaram que não havia matéria criminal, pois as substâncias não figuravam nas tabelas da lei vigente onde estão especificados os estupefacientes proibidos.
Recentemente, a Inspecção Regional das Actividades Económicas (IRAE) lançou uma vistoria no âmbito da fiscalização económica e segurança alimentar. "Foi apreendida uma certa quantidade e diversidade de produtos devido à inexistência de rotulagem adequada e outros por causa das substâncias que integrariam", revela ao DIÁRIO Valentim Caldeira. O director da IRAE diz que a loja está licenciada e tem autorização para vender produtos cosméticos, alguns dos quais apresentavam rótulo em inglês (sem tradução para português). Tudo está a ser averiguado, as amostras estão a ser analisadas em laboratório e, como tal, não há ainda conclusões.
André Paquete está tranquilo e disposto a corrigir se alguma irregularidade for apontada. "Se se comprovar com base nalgum estudo ou prova que o que eu vendo é uma ameaça à saúde pública, então eu deixo de vender", responde.